Aquele de sempre, toda

Se vos disser: “que tudo abandonei”
é porque ela não pertence ao meu corpo não é verdade
mas nunca me gabei
e o nevoeiro profundo onde me movo
nunca soube se passei

o leque da sua boca, o clarão dos seus olhos
Sou o único afectado
o único que fala
neste espelho tão vão onde o ar me atravessa
um ar que tem um rosto amoroso, teu rosto
para ti que não tens nome e que os outros ignoram
o mar fala-te de mim, de mim o céu te fala
os astros te adivinham, as nuvens imaginam-te
e o sangue da generosidade
leva-te para as delicias
Eu canto a grande alegria de te cantar
a grande alegria de te ter, ou de te não ter
a pureza de te esperar, a inocência de te conhecer
tu que apagas o esquecimento, a esperança e a ignorância
que apagas o vazio e me fazes nascer
eu canto para cantar, amo-te para cantar
o mistério, onde o amor me cria e se liberta

tu és pura, tu és mais pura que eu mesmo

Tradução: Fernando Oliveira

Este poema pertence ao tema intitulado: Capital da dor- entre Outubro de 1924 e Agosto 1926 – Paul Eluard

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